Em meio à região metropolitana de Manaus, o sauim-de-coleira busca o que sobrou de florestas na maior cidade amazônica do Brasil para sobreviver. Do outro lado do país, entre a Bahia e o Sergipe, o guigó-da-caatinga enfrenta um desafio similar frente ao desmatamento e a fragmentação das florestas na Caatinga. Ainda que distantes geograficamente, as duas espécies – que só podem ser encontradas no Brasil – têm em comum o grave risco que enfrentam de desaparecer e por isso foram listadas como parte dos 25 primatas mais ameaçados do mundo.
Os desafios para conservação de primatas se repetem mundo afora e estão no centro da publicação Primates in Peril (Primatas em Perigo), divulgada nesta quinta-feira (08). Produzida pela Re:wild, em conjunto com o Grupo Especialista em Primatas (PSG), da União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN), e a Sociedade Internacional de Primatologia (IPS), a lista soa o alerta sobre a necessidade urgente de agir para evitar que esses animais sejam extintos.
Seja da América Latina, da Ásia ou da África, as espécies listadas ilustram a tragédia dos comuns se repete entre os primatas mundo afora, que veem a perda de habitat como a principal ameaça que paira sobre sua sobrevivência, muitas vezes somada à caça, tráfico, doenças, disputa com espécies invasoras e eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes.
No Brasil, país com maior diversidade de macacos do mundo, estes fatores fazem com que mais de um quinto das espécies estejam ameaçadas de extinção.
O sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) ao menos tem motivos para comemorar, com a criação em junho do ano passado, de um Refúgio de Vida Silvestre, com 15.300 hectares. A área protegida vinha sendo pleiteada há mais de uma década por pesquisadores e é considerada um passo crucial para a conservação da espécie.

“O reconhecimento do sauim-de-coleira como uma das espécies mais ameaçadas do mundo entre os primatas deu um impulso fundamental para o processo de criação do Refúgio”, reforça o coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros (CPB/ICMBio), Leandro Jerusalinsky.
O primatólogo brasileiro é vice-presidente mundial do Grupo Especialista em Primatas da IUCN e um dos autores da publicação. Ele acrescenta que a unidade de conservação do sauim-de-coleira além de garantir habitat suficiente para manter uma população viável da espécie em longo prazo, também fomenta projetos de pesquisa e conservação sobre o sauim.
Pesquisar, aliás, é a palavra-chave no caminho de conservação do guigó-da-caatinga (Callicebus barbarabrownae), macaco cuja própria distribuição, populações e ecologia ainda são pouco conhecidas pela ciência. Uma coisa, entretanto, é certa: o avanço da destruição das florestas da Caatinga – das quais o guigó depende para sobreviver – põe cada vez mais em xeque o futuro da espécie. Um problema agravado pela falta de áreas protegidas no bioma.
“É uma espécie que precisa de maior proteção”, ressalta Leandro. “E uma das principais táticas têm sido aumentar o conhecimento sobre a espécie, o que é fundamental para que a gente possa traçar estratégias de conservação baseada no melhor conhecimento científico e avançar na criação de áreas protegidas e conectividade”, complementa.

Em resposta às ameaças globais, a publicação recomenda a expansão e consolidação de áreas protegidas; o envolvimento de comunidades indígenas e locais como guardiães da biodiversidade; o fortalecimento das leis contra o tráfico de animais silvestres e desmatamento; e a necessidade de financiamento e mobilização de recursos para programas de conservação de longo prazo.
O objetivo é soar o alarme e dar visibilidade às espécies, e ao mesmo tempo mostrar caminhos possíveis para evitar que elas desapareçam.
“No capítulo de cada espécie, estão elencadas não apenas as ameaças, mas indicadas algumas estratégias e ações prioritárias para sua conservação”, pontua o coordenador do CPB.
No caso das espécies brasileiras, as estratégias se alinham com as definidas nos Planos de Ação Nacional (PAN) para conservação de espécies ameaçadas de extinção. Tanto o sauim-de-coleira quanto o guigó-da-caatinga já estão contemplados dentro de PANs específicos.
Os mais ameaçados do mundo
A lista é dividida em quatro regiões: África, Ásia, Neotropical (que abrange a América Latina) e Madagascar, ilha africana que é o único lar dos lêmures no planeta. A nação insular é o país que lidera o número de espécies citadas no top 25, com quatro lêmures sob risco de desaparecer.
Na América Latina – a região Neotropical – há um total de seis primatas citados entre os mais ameaçados do mundo.
Um deles é o macaco-barrigudo-de-cauda-amarela (Lagothrix flavicauda), uma espécie que vive apenas nas florestas altas nos Andes peruanos. Em 2024, ano em que foi celebrado o 50º aniversário de redescoberta da espécie – que chegou a ser considerada extinta –, o barrigudo ganhou uma lei de proteção especial no Peru.
Leia a publicação completa
Atualmente, a ciência reconhece um total de 721 espécies e subespécies de primatas no mundo. E mais da metade deles – 466, o equivalente a 64% – são avaliadas como ameaçadas de extinção na Lista Vermelha da IUCN.
O caso mais dramático está em Madagascar, onde 95% das 112 espécies e subespécies de lêmures – que só existem no país – estão sob risco de desaparecer.
“Esses primatas são vitais para os ecossistemas e as culturas humanas. Sua perda seria irreversível”, afirma o presidente do Grupo Especialista em Primatas da IUCN, Russell Mittermeier.

Os 25 anos do Top 25
O lançamento da edição atual, 2023-2025, marca também os 25 anos da iniciativa, que teve início em 2000 como um esforço para dar visibilidade aos primatas que enfrentam o risco iminente de extinção.
Ao todo já foram listadas 103 espécies e subespécies de primatas ameaçados. Desses, 13 são brasileiras.
“Desde seu começo há 25 anos, a lista dos Top 25 fez contribuições significativas para conservação de primatas, destacando as espécies mais necessitadas de atenção e, muitas vezes, estimulando maiores medidas de conservação, como a criação de novas áreas protegidas e mais financiamento para espécies-alvo. E talvez mais importante ainda, manteve a situação perigosa de tantos primatas sob os olhos do público”, resume Russell Mittermeier, que é chefe de Conservação (Chief Conservation Officer) da Re:wild.
Um dos idealizadores da publicação, Russell conta que o processo de seleção dos 25 tornou-se uma oportunidade para reunir aqueles que trabalham com a conservação de primatas mundo afora e promover a troca de experiências. Essa avaliação é feita a cada dois anos, durante os Congressos da Sociedade Internacional de Primatas.
Lançamento no Brasil
O lançamento da nova edição do Primates in Peril ocorreu em sessões simultâneas em Madagascar, Singapura e no Brasil. Por aqui, a divulgação oficial da lista ocorreu durante o 6º Workshop Internacional sobre Manejo de Calitriquídeos, grupo de primatas que compreende saguis e micos, realizado no Centro Nacional de Primatas (CENP), no Pará, de 5 a 9 de maio.
O evento reúne cerca de 30 profissionais de mais de 20 instituições brasileiras entre zoológicos, universidades, centros de resgate e agências governamentais. O objetivo do workshop é capacitar e fortalecer os esforços para proteger alguns desses pequenos primatas em maior risco do Brasil – como o próprio sauim-de-coleira, que figura na lista dos mais ameaçados do mundo.
Outras espécies brasileiras em perigo
Fora da lista oficial há outras cinco espécies brasileiras consideradas citadas pela Primates in Peril, que exigem igual atenção para que não desapareçam.
Três delas nativas de diferentes porções da Amazônia brasileira, ameaçadas pela expansão do desmatamento: macaco-aranha (Ateles marginatus), kaapori (Cebus kaapori) e zogue-zogue-do-mato-grosso (Plecturocebus grovesi).
E outras duas da Mata Atlântica: o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus) e o sagui-da-serra (Callithrix flaviceps), ambas sofrem com a perda histórica de habitat, fragmentação e, no caso do sagui, também pelo avanço de saguis invasores.

Com exceção do macaco-aranha, todas as outras já foram listadas entre as 25 mais ameaçadas do mundo em edições anteriores da publicação. E todas seguem classificadas como Criticamente Em Perigo de extinção, conforme a avaliação nacional do estado de conservação das espécies.
“O fato de uma espécie sair da lista de uma edição para outra não significa que a situação dela esteja muito melhor, ou tenha deixado de estar ameaçada. Significa muitas vezes que a gente precisa dar visibilidade para mobilizar esforços para conservação de outras espécies”, ressalta o coordenador do CPB/ICMBio, Leandro Jerusalinsky.
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