Reportagens

Brasil aposta na conciliação entre convenções da ONU para enfrentar crises globais

Proposta é de articulação continuada entre acordos ambientais sobre Biodiversidade, Clima e Desertificação. Apenas nove países entregaram suas recomendações

Aldem Bourscheit · Cristiane Prizibisczki ·
19 de maio de 2025

O governo brasileiro sugeriu às Nações Unidas a construção de um programa de trabalho permanente para deslanchar a esperada integração de esforços entre as convenções ambientais desenhadas desde a Rio92, há mais de três décadas.

Uma das “tarefas de casa” definidas na 16ª COP da Biodiversidade, iniciada em novembro passado, na Colômbia, e encerrada em fevereiro deste ano, na Itália, foi o envio de propostas nacionais para integrar esforços das convenções contra as crises de Biodiversidade, Clima e Desertificação.

Até o prazo final de 1º de maio, só o Brasil e outros oito países entregaram suas contribuições ao secretariado da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas, a CDB. A soma não chega a 5% das 196 nações ligadas ao acordo.

A proposta brasileira pede um programa de trabalho para integrar pontos das convenções. A ideia é de que isso não seja mais adiado ou sombreado por agendas de cada acordo, diz o diretor de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade no Ministério do Meio Ambiente (MMA), Bráulio Dias.

“O tema está fora da agenda formal de cooperação entre as convenções, por isso o Brasil reforçou a importância de um esforço continuado para que isso aconteça”, disse o também ex-secretário-executivo da CDB (2012 a 2017) e doutor em Zoologia pela Universidade de Edimburgo (Reino Unido).

As contribuições brasileiras destacam que a integração das três convenções deve zelar pela proteção da zona costeiro-marinha, de populações indígenas, tradicionais e vulneráveis, respeitar ações em curso e as realidades de cada país, bem como aplicar soluções baseadas na natureza.

Os documentos que cada país remeteu serão consolidados pelo secretariado como recomendações para orientar os debates da Convenção sobre Diversidade Biológica. Um deles pode ser já no fim de outubro, no Panamá, na reunião de seu grupo científico

Duas semanas depois, começa no Brasil a 30ª COP do Clima, mas sua agenda formal não abriu espaço para azeitar a cooperação entre convenções. “A liderança brasileira quer que isso ocorra, mas o desafio é como fazer isso acontecer”, destacou Dias (MMA). 

A tarefa está nas mãos da presidência da 30ª Conferência do Clima da ONU, liderada pelo embaixador André Corrêa do Lago e pela secretária nacional de Mudança do Clima, Ana Toni, que está na secretaria-executiva do evento, a ser realizado em novembro, na cidade de Belém (PA).

Bráulio Dias (MMA) coordenou a consolidação das propostas brasileiras para integrar pontos das Convenções do Rio. Foto: IISD/Earth Negotiations Bulletin/GEF / Divulgação

Proposta brasileira

A construção da proposta brasileira para a articulação continuada entre os tratados ambientais foi liderada por Bráulio Dias. Segundo ele, textos prévios da CDB foram revisados e adaptados às necessidades brasileiras no MMA. O assunto foi debatido pelo Itamaraty com outros ministérios.

“Após o envio da proposta à CDB, o Brasil já se reuniu com países como Colômbia, Alemanha, Reino Unido e Emirados Árabes para debater como avançar na sinergia entre as convenções”, relatou.

Antes disso, porém, a sociedade civil brasileira se juntou para tentar ajudar o país na tarefa. Evento organizado por The Nature Conservancy (TNC Brasil), WWF, Instituto Alana, Instituto Arapiaú e Fundo de Emergência Climática reuniu cerca de 50 outras organizações para discutir o assunto. Também estiveram presentes membros do Itamaraty, Ministério dos Povos Indígenas e Ministério do Meio Ambiente.

Intitulado “Conectando Clima e Natureza: Recomendações para Negociações Multilaterais”, o evento, realizado nos dias 15 e 16 de abril, teve como objetivo sistematizar propostas nos temas de financiamento, políticas públicas, soluções baseadas na natureza e justiça climática.

“O trabalho de sinergia é de extrema importância e é uma grande tendência, porque a gente não tem recurso financeiro para tudo, por exemplo. A soma é gigantesca. Precisamos otimizar esse direcionamento de esforços”, diz Simone Tenório, coordenadora de projetos do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), uma das organizações presentes no encontro.

Lugar ao sol 

Diretora para Políticas Públicas e Relações Governamentais da ong TNC Brasil, Karen Oliveira ressalta que a busca de conciliação é complexa por faltar um diálogo integrado e efetivo entre os programas de trabalho e entre os órgãos científicos das três convenções.

“Isso dificulta a construção de agendas complementares de ações e de pautas conjuntas para produzir conhecimentos mais aplicados à essa sinergia”, destacou.

Outra pedra no sapato seria a disputa por recursos entre convenções cuja implantação ainda depende muito de doações de países ricos, historicamente os grandes causadores da poluição que eleva as temperaturas médias planetárias.

“Claro que, se você traz novos mecanismos, se você traz o setor privado e o setor financeiro para esse debate, você abre outras oportunidades”, lembrou Karen Oliveira (TNC).

Nesse sentido, Bráulio Dias (MMA) afirmou que os fundos Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC) são exemplos de fontes inovadoras. Outras podem vir até a COP30, como o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, sigla em Inglês).

“É uma iniciativa voluntária liderada pelo Brasil que receberá doações de recursos públicos e privados, logo não precisará de aprovação das convenções ou de governos”, explicou. 

Apresentada na COP28 da Convenção sobre Mudança do Clima, a proposta projeta que sejam angariados o equivalente hoje a mais de R$ 700 bilhões. O TFFF pagará aos países pelos hectares de floresta tropical mantidos ou restaurados.

A diretora para Políticas Públicas e Relações Governamentais da ong TNC Brasil, Karen Oliveira. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Conexões práticas

A costura de acordos para enfrentar conjuntamente as grandes crises ambientais pode ajudar ecossistemas que naturalmente associam os temas de convenções nascidas na Rio92, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.

Por exemplo, restaurar manguezais retira da atmosfera Dióxido de Carbono (CO2) – um dos vilões do aumento da temperatura média global -, beneficia a diversidade biológica, reduz a erosão litorânea e melhora a oferta de peixes, crustáceos e outros alimentos, inclusive para extrativistas. 

Esse é um dos casos listados na Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, sigla em Inglês) num relatório de dezembro passado, reforçando que as crises do clima e da perda de biodiversidade devem ser tratadas simultaneamente. 

Conforme o documento, construído por 165 especialistas mundiais ao longo de mais de três anos, não se pode mais negligenciar os impactos crescentes de nossas ações sobre o planeta e a urgência de manter e recuperar ambientes naturais e suas espécies.

Tão importante quanto, um outro estudo da IPBES e do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, sigla em Inglês), lembrou que quase tudo que é feito pela biodiversidade beneficia o clima, mas que o inverso nem sempre é verdadeiro.

Um caso é o plantio de árvores exóticas. Isso captura carbono, mas pode prejudicar espécies nativas de plantas e animais. “Saem plantando essas árvores em qualquer lugar, inclusive em áreas que não são de ecossistemas arbóreos, como campos naturais”, destacou Bráulio Dias (MMA).

Além de grandes berçários de vida costeiro-marinha, os manguezais brasileiros retêm, como divulgado em ((o))eco, 1,9 bilhão de toneladas de CO2. Esses ambientes estocam de três a cinco vezes mais carbono em relação a outras florestas terrestres. 

Apesar de serviços estratégicos como esses, espaços biodiversos sofrem forte declínio global, de 2% a 6% ao ano, aponta o mesmo IPBES. A culpa é da mão humana, que desmata, caça, polui, dissemina espécies invasoras e os explora além da conta.

Ao mesmo tempo, a crise climática agrava esse drama planetário. Se as temperaturas máximas continuarem subindo, de 50% a 95% das espécies globais enfrentarão risco de extinção.

Manguezais são ambientes biodiversos com grande capacidade para estocar carbono. Foto: Nathalia Verony / Creative Commons

Os alarmantes números são de um artigo publicado em março na revista Oxford Open, que descobriu que as perdas de espécies foram mais frequentes onde as mudanças nas temperaturas eram maiores e mais rápidas.

Isso tudo conduz a uma nova extinção massiva de variedades de vida. De carona, serviços ambientais correm alto risco de quebra, como a polinização de culturas agrícolas por insetos e mamíferos, a purificação de água em zonas úmidas e a própria regulação do clima.

Os resultados seriam desastrosos para o equilíbrio ecológico planetário e para todas as sociedades humanas. 

“Não podemos nos adaptar a um colapso da biodiversidade, só podemos sofrê-lo com um resultado inevitavelmente fatal”, ressaltou numa rede social François Brechignac, vice-presidente da IUR, sigla em Inglês da União Internacional de Radioecologia.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

  • Cristiane Prizibisczki

    Jornalista com quase 20 anos de experiência na cobertura de temas como conservação, biodiversidade, política ambiental e mudanças climáticas. Já escreveu para UOL, Editora Abril, Editora Globo e Ecosystem Marketplace e desde 2006 colabora com ((o))eco. Adora ser a voz dos bichos e das plantas.

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